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Paulo Borges: o criador do SPFW fala sobre o futuro da moda no Brasil

Paulo Borges, diretor criativo e criador do São Paulo Fashion Week, maior e mais importante evento de moda do Brasil, arranjou um tempo na corrida agenda para conversar com a GoWhere sobre seus 42 anos atuando no mercado fashion. Nesta entrevista, ele reflete sobre seu futuro e como o SPFW mudou o cenário da moda nacional.


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Como é manter um evento da dimensão do São Paulo Fashion Week por quase 30 anos?


Eu aprendi uma coisa com a Regina Guerreiro: “Se você quer mesmo trabalhar com moda, tem que ter muita paixão, porque senão não rola”. Isso é pura verdade, depois de 42 anos trabalhando com moda, entendo que moda é paixão e o nosso desafio não era fazer uma semana de moda como tem em Paris, Milão, Londres e Nova York, a ideia era criar algo que pudesse conectar todo mundo a um sentido de pertencimento. E esse princípio ajudou a construir um projeto de moda e economia criativa que é referência em todo o mundo. Eu entendi, depois de bastante tempo, que meu papel era dar esse sentido coletivo para a moda nacional. Eu sou integralmente uma pessoa apaixonada  e com a meta de fazer algo que via que tinha potencial de acontecer.


Como é que é ver que ao longo dos 29 anos de SPFW a moda foi se organizando através das suas ideias?

Esses dias, estava conversando com a Costanza Pascolato de uma forma mais filosófica e antropológica dos processos de moda, contando para ela que vim do interior para estudar ciências da computação, que era analógico nos anos 80. Então ela me disse: “Agora entendo o que você faz, você é a pessoa que tem a capacidade de ver antes algo que é possível de ser feito, e que todo mundo acha que não é”. O São Paulo Fashion Week foi o primeiro evento no mundo a falar sobre compensação de emissão de carbono e sustentabilidade, fizemos isso em 2006, e hoje as pessoas sabem a importância desse tema. Começamos a falar sobre economia criativa e ninguém tocava nesse assunto. Sempre falamos que isso só seria possível se fosse um processo colaborativo. O São Paulo Fashion Week só nasceu e cresceu porque foi sempre coletivo, e é isso que o mantém. Nós temos altos e baixos, altíssimos e baixíssimos, mas estamos, de alguma forma, sempre olhando para frente.


FOTO: Divulgação Iguatemi/Lu Prezia


Como foi tomar a decisão de cancelar o SPFW em 2020, em plena pandemia? Foi o primeiro evento na América Latina a se posicionar pelo cancelamento. O que você enxergava lá na frente?

No ano anterior em 2019, tive que postergar uma cirurgia no joelho. Era outubro e eu não iria operar no meio de uma temporada. A minha única janela para operar era janeiro. E eu falei, bom, vou ficar sem Carnaval, eu só pensava no Carnaval. E aí eu fiz a cirurgia e começou o Carnaval, quando a coisa começou a ficar estranha e,  durante o pós-cirúrgico,  começamos a ver as coisas na China. E todo mundo dizendo que era coisa só da China. O meu namorado morou na China e ele começou a falar que lá não era assim, e quando viu aquele monte de gente de máscara, ele falou que era epidemia. Começamos a olhar tudo mais atentamente e perceber que a coisa estava ficando sem controle. Fiz uma reunião na empresa e falei: “Não dá para fazer esse SPFW, não tem a menor condição, isso vai dar merda”. Eu pensava é a SPFW, são pessoas, não é um filme… as não terão condições de estar juntas. Então me pediram para não entrar em pânico, esperar uma semana, mas eu disse: “Não vamos esperar nada. Hoje, eu vou avisar que não vai ter. Era início de março, o evento seria em abril. Era uma questão humanitária, de proteção às pessoas, a todos nós.


Aí, depois, o Lollapalooza cancelou, a Bienal cancelou e todos os eventos foram cancelados. O evento foi cancelado no dia 12 de março e o governo declarou a pandemia em 24 do mesmo mês.


Você se considera um futurista?

Perguntar isso para um ariano, que tem ascendente em áries e lua em áries, é muito difícil. Porque o ariano não pensa no ontem, o ariano nasceu para frente. Se você me perguntar, o que você comeu ontem? Eu não vou lembrar, o ariano não tem essa coisa. Ele não tem essa de olhar para trás ou ficar parado aqui, ele está sempre com a cabeça fora do lugar. A Costanza me falou que  tenho essa capacidade de perceber coisas que as pessoas ainda não perceberam e trazer aquilo como um caminho, uma proposta. Eu nunca tinha pensado sob esse aspecto, eu não gosto muito de palavras. Eu nunca me deixei ser colocado num rótulo…


Vamos falar da internet: como é ver a moda evoluir junto com ela?

Quando a internet chegou, ela era só mais uma ferramenta para falar. Me lembro bem porque colocamos numa edição da SPFW um site e as pessoas podiam se logar e escrever.


A Camila Coutinho fala no livro dela que percebeu ali que ela poderia fazer alguma coisa assim. Aí, nasceram as blogueiras. Aí inventaram o “See now, buy now” e tinha uma confusão de você tentar produzir rapidamente. O mundo começou a entrar nessa busca, dentro de um cenário superacelerado. Então vem a pandemia, ela desacelera tudo e tranca todo mundo. E aí, fizemos o retorno, ainda dentro da pandemia, com a semana de moda 100% digital. Foi notícia no mundo inteiro. A gente tem que entender que a moda mudou e que entrou num novo conceito, e a internet foi um dos pilares importantes disso.


E começamos a ver essa nova geração a ir para o São Paulo Fashion Week… E as questões sociais vieram mais fortes.

Eu me lembro que em 2020, falei que ia mudar coisas no São Paulo Fashion Week e que para desfilar aqui tem que ter equidade racial. Você vai desfilar, metade do seu casting tem que ter negros, afrodescendentes e povos originários. E isso mudou o mercado como um todo. O São Paulo Fashion Week tem um histórico de colocar transformações.


Como você lida com as odes ao passado em relação ao SPFW?

Eu acho que a gente está construindo um protagonismo novo. O SPFW foi uma incubadora de várias marcas. Se a gente pensar, Alexandre [Herchcovitch], o Walter [Rodrigues] apareceram lá. Quando criamos as primeiras semanas de moda, quem existia naquele momento era Fórum, Zoomp, Yes Brasil, Maria Bonita,  Huis Clos, Glória Coelho, Ellus,  Iódice e Reinaldo Lourenço começando. Tudo aconteceu depois e foi crescendo junto com o evento e chegou uma hora que todo mundo tem que voar. E aí cada marca tem uma história, cada marca tem um tipo de processo.


E a volta ao Parque do Ibirapuera, berço da SPFW, como foi e o que muda?

Voltar para o Parque é voltar para um evento com uma cara daquilo que foi construído pelo São Paulo Fashion Week. Olhar para quem está aparecendo, analisar quem precisa sair um pouco do momento e tomar decisões e refletir sobre o seu negócio. A passarela é um tempo, um tempo caro, muito caro. A gente já sabe o que não deu certo e todo mundo sabe o que não vai rolar mais. A gente tem que achar o caminho. Tem que achar o jeito de fazer.


Por Mariana GalloFOTOS:

Divulgação Iguatemi/Lu Prezia

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