Em artigo publicado no jornal Estado de S. Paulo, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, fala sobre o cenário econômico mundial
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As cadeias de produção estão mudando e transformando o comércio global. É um fenômeno complexo, determinado por tensões geopolíticas, transição energética e protecionismo econômico. No ano passado, pela primeira vez em duas décadas, os EUA compraram mais do México do que da China. E o Brasil?
A China enfrenta crescentes dificuldades nos EUA e na Europa, que aumentam tarifas dos produtos chineses e dão preferência à produção regional (“nearshoring”) e de países mais alinhados (“friendshoring”).
Esse contexto oferece grandes riscos ao Brasil e à indústria brasileira. Para compensar perdas nas exportações aos EUA e Europa, a China redireciona parte de seus produtos e capacidade produtiva a outros países, e o imenso mercado consumidor brasileiro é um grande alvo.
Mas não podemos ser apenas um mercado manso aos produtos manufaturados chineses, em detrimento das nossas indústrias de base e suas cadeias produtivas. Afinal, nenhuma grande nação deu salto de desenvolvimento sem a mola propulsora do setor produtivo.
Como podemos, então, transformar esse deslocamento da manufatura chinesa em oportunidades? Não é fácil, mas a resposta é simples: tendo a mesma competência que os chineses tiveram em transformar seu imenso mercado e sua força de trabalho em ímã para investimentos diretos na produção.
Os países precisam enxergar no comércio com o Brasil uma parceria ganha-ganha. E o Brasil deve se colocar como um aliado estratégico dos grandes “players” globais em vários níveis: político, econômico e ambiental. Precisamos ter a competência que muitos países já tiveram para aproveitar oportunidades em diferentes contextos da história, como Japão, Tigres Asiáticos, China, Índia e México.
Em novembro, o presidente Xi Jinping fará visita de Estado ao Brasil. Desde 2009, a China é nosso maior parceiro comercial. No ano passado, tivemos superávit recorde de US$ 51 bilhões com o país. Mas esse superávit é sustentado pela exportação de commodities com baixo valor agregado, enquanto importamos manufaturados muito mais valiosos.
É um desequilíbrio que reduz nosso potencial de desenvolvimento pois inibe investimentos e inovações em nossa indústria. E a indústria é o setor que paga os melhores salários e mais contribui, proporcionalmente, para a arrecadação de tributos.
Como podemos, então, aprimorar nossa relação com as grandes economias globais? Temos que ser propositivos, criativos e construtivos. E aprender com os chineses. Um dos caminhos da industrialização chinesa foi vincular o acesso a seu mercado à produção de manufaturados na China, o que atraiu investimentos diretos pesados na indústria local e na formação de mão de obra.
O cenário de crescente tensão entre as potências ocidentais e a China pode ser importante também para elevar o protagonismo econômico brasileiro nas Américas, viabilizando uma parceria mais estratégica com os EUA, maior e mais dinâmica economia do mundo, diante dos limites já aparentes da sua relação comercial com o México.
Como maior economia da América Latina, o Brasil está mais do que apto a receber investimentos dos mais diversos parceiros. Nosso parque industrial é muito mais sofisticado e eficiente do que o da China quando ela implantou sua revolução industrial. E temos um ingrediente fundamental para impulsionar qualquer nova parceria estratégica com qualquer país: nossa vocação para a economia verde e a transição energética. O que o Brasil não pode é ficar parado nesse rearranjo da produção global. E não está.
Depois de a indústria brasileira encolher de quase 50% do PIB nos anos 1980 para perto de 25% hoje, o Brasil finalmente lançou uma política industrial consistente, a NIB (Nova Indústria Brasil), focada em eixos como inovação tecnológica, sustentabilidade, qualificação e infraestrutura. Ela já mostra seus primeiros resultados, que podem e devem ser reforçados aproveitando as oportunidades dessa nova conjuntura.
O rearranjo global da produção, a visita de Xi Jinping e a presidência brasileira do G20 são motivos mais do que suficientes para que a relação Brasil-China alcance um novo patamar que impulsione nossa economia e nossa indústria. Sempre priorizando os reais interesses da economia brasileira.
Nossa possível adesão à Rota da Seda – o novo programa chinês de comércio global – tem que ser estudada e negociada com todo o cuidado. Para tanto, é imprescindível a participação de todo o setor industrial nos entendimentos entre os governos.
Da mesma forma, devemos estar abertos aos demais protagonistas da economia global, buscando complementaridade nas cadeias produtivas, agregação de valor e vantagens competitivas mútuas e complementares: o verdadeiro ganha-ganha.
Enfim, precisamos estar atentos a toda oportunidade, de qualquer país, que a nova geopolítica oferece, embalados pelo grande potencial que temos para a transição energética e a necessidade de levar o Brasil a dar um novo salto de desenvolvimento. E isso só ocorrerá com uma indústria brasileira forte e inserida nas novas cadeias globais de produção.
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